O homemtronco-de-oliveira

Por Dago Arena, com a colaboração de Enzo Filia, de Pizzoni (VV), Calábria.

Apresentação

Esta história, que mistura fantasia e realidade, foi criada após Dago Arena, em visita a Pizzoni (província de Vibo Valentia, Calábria), ter sido levado por Enzo Filia a seu bosque de oliveiras. Dago Arena viu um tronco e notou a silhueta de um rosto de um homem velho. Lembrou-se de seu avô, Nicola, oriundo de Pizzoni, que falava de um terremoto ocorrido no século XVIII na região. Planejou uma história cuja ambientação estivesse no cruzamento entre este tempo e este cenário. Na versão em italiano, publicada na página Paese Mio … Pizzoni, do Facebook, Filia reescreveu o diálogos e os traduziu para a língua calabresa falada em Pizzoni.

A intenção desta publicação é a de sugerir às professoras que proponham às crianças a criação de histórias que incluam fatos vividos por seus avós, assim como fez Dago Arena.

O homemtronco-de-oliveira

 

Naquela manhã de fevereiro, antes do nascimento do sol, Nicola pôs o cavalo entre os varais da carroça, ajustou as correias de couro ao redor do animal, acenou para Rosa, em pé na porta de casa e partiu. O pequeno Giuseppe ainda dormia, embalado pelo frio e pelo vento que varriam as colinas e os vales entre Pizzoni, Soriano Calabro, Sorianello e Serra San Bruno.
A casinha baixa, apoiada em troncos, abrigava, sob o assoalho, ovelhas, cabras, porcos, um punhado de galos e galinhas. Ao redor, poucas dezenas de oliveiras, algumas jovens, outras envelhecidas, compunham o cenário. Era o segundo mês do ano de 1783. Giuseppe, nascido dois anos antes, em maio, se misturava aos animais e às oliveiras, entre correrias e brincadeiras.
Na noite anterior, os animais tinham se agitado, berrado e cacarejado sob o assoalho. Nicola e Rosa acordaram assustados por um barulho surdo, vindo de longe, lá dos lados do Estreito de Messina e por um tremor que fez caírem as panelas dependuradas na parede próxima ao fogão. Tinham ouvido histórias antigas, contadas pelos antigos, sobre tremores, mas não tinham temores. Ali nada poderia acontecer. Apesar dos indícios de perigo emitidos pela natureza, Nicola decidiu ir a Serra San Bruno. Eles e os animais precisavam de sal.
Antes de a carroça completar a curva, do alto da boleia, jogou um último olhar para Rosa, esfregou as mãos, fechou bem o capote, ajeitou o chapéu, dirigiu o olhar para as oliveiras e entreviu, lá embaixo, o casario de Pizzoni, de Soriano e de Sorianello.
A passos lentos, o bom cavalo vencia as pequenas descidas e as longas subidas do caminho estreito. As rodas da carroça sulcavam as poças de água deixadas pelas chuvas geladas do inverno. Pedaços de pão e de queijo matavam a fome de Nicola, enquanto o velho cavalo se alimentava dos capins pela beira do caminho.
Já passava de meio-dia, quando cavalo, carroça e carroceiro desceram a serra, subiam e desciam novamente as colinas na volta para a casa. De súbito, o cavalo assustou-se, levantou as orelhas, estacou o passo. Nicola estranhou o comportamento inesperado do bom animal. Gritou com sua voz de ordem, na linguagem conhecida pelo animal. Nada. Continuou com cabeça erguida, orelhas abertas, comportamento agitado. Subitamente, foram todos sacudidos por um tremor. Cavalo e carroça tombaram no leito da estrada. Nicola saltou antes da queda. As árvores tremeram, as oliveiras chacoalharam, pedras rolaram. Passado o tremor, refeito do susto, Nicola liberou o cavalo da carroça, ajudou-o a levantar-se, atrelou-o novamente e tomou, apreensivo, o rumo de casa.
Ao retornar, sempre via o telhado de sua casa entre as oliveiras. Desta vez, viu oliveiras caídas, pedras reviradas. Viu apenas o que restava da casa, quando dela se aproximou. Era um monte de escombros. Desesperado, chamou por Rosa e Giuseppe. Nenhuma voz foi ouvida. Nem um som. Nenhuma cabra. Nenhuma galinha, nenhuma ovelha. Nada. Correu em direção ao campo das oliveiras. Algumas estavam tombadas. Novamente gritou o nome de Rosa. Desta vez, ouviu uma voz chorosa dizer: Nicola! Correu em direção à voz e encontrou a mulher abraçada ao filho entre galhos e folhas. Vivos! Aos soluços, ela relatou os momentos de pavor: “Todos os animais começaram a pular. Era como se tivessem sido mordidos por uma tarântula. Pulavam como se dançassem uma tarantela calabresa! Fugiram e se espalharam. Achei que o fim do mundo tivesse chegado! Abracei Giuseppe e corri para cá, para o campo das oliveiras”.
Nicola olhou para os escombros da casa, para as oliveiras reviradas. Tomou os dois pelas mãos, desceram um pouco mais e olharam diretamente para Pizzoni, mais ao longe. Não viram telhados, nem ruas. Viram um amontoado de escombros. O marido olhou nos olhos da mulher e a mulher olhou bem no fundo dos olhos do marido, como se dissessem um ao outro: “Simu calabrisi, pizzuniti testadura! Vamos recomeçar as nossas vidas, refazer a casa, juntar os animais e replantar oliveiras”!
Aquela colina era a sua terra, a sua vida e lá permaneceriam. Nunca planejaram emigrar. Cada oliveira tinha sua história, seu tempo, sua idade. Os animais morriam, mas as oliveiras mantinham-se sempre vivas, companheiras de todos os dias, de todos os anos. Delas tiravam o alimento e as energias para enfrentar a vida dura do campo.
Muitos anos depois do terremoto, como todos os animais, Nicola pressentiu sua morte. Calmamente, fez um estranho pedido a Rosa. Pediu que, no dia em que morresse, fosse plantada uma oliveira. Pediu a Deus que o fizesse nascer de novo, fundido ao tronco da oliveira, para que pudesse ser o guardião das oliveiras, para que espantasse dali os homens maus, os javalis e as protegesse dos terremotos.
Assim fez sua mulher. Plantou uma oliveira à beira da estreita estrada no dia de sua morte.
Nos dias que correm, quem passa pela mesma estradinha que leva às oliveiras dos irmãos Filia, pode ver, se tiver olhos para ver, um velho tronco e, nele, um rosto, o rosto sereno de um velho calabrês pizzonese, que espanta javalis, homens predadores, que protege as oliveiras das pragas e as ampara durante as tempestades e os tremores das terras da Calábria.