Conversa entre Dagoberto Buim Arena e Senhor Moura, da escola municipal, localizada na Fazenda Paraíso, São Luís do Quitunde – Alagoas.
Um anjinho
Dagoberto Buim Arena
No fundo dos tempos na Fazenda Forquilha, lá para os fundos das terras do Quitunde, contra bexiga não tinha jeito. Só chá de quina, muita reza, Deus e apartação.
Para bexiga de sarampo, de varicela, de catapora, de varíola, preta, vermelha, amarela, sem cor, com cor, molhada ou seca, o melhor remédio para quem não a queria era a apartação.
Foi assim com Rosária, nascida em dia de Nossa Senhora do Rosário. Quando nasceu, a mãe, de rosário na mão, rezou um rosário pedindo a benção e a proteção de Nossa Senhora, a do Rosário, a sua sempre protetora, para a pequena Rosária.
Nem bem cinco anos tinha, a bexiga chegou, variolada, febre alta, delírio suado. Dois dias de chá.
A vizinhança gritava entre a roupa batida na tábua e a enxaguada no riacho:
– Tem de apartar, se não todo mundo vira bexiguento!
Com dor no peito, tristeza nos olhos e angústia no coração, o pai olhou para a mãe, a mãe olhou para o pai. Os olhos deram o veredito. A mãe pegou o rosário, enquanto pai juntou um saquinho com farinha, um pano com charque, uma moringa d’ água. Enquanto ela rezava, ele levava Rosária no colo e os trens de comer pelo caminho em direção à chã, em noite fresca.
Na choça, o pai deitou Rosária, largou os trens, olhou em silêncio para a mãe. A mãe apertou o rosário, miúda se levantou, calada saiu.
A salvação era a quarentena. Se sarasse, pegava o trilho de volta. Se em quinze dias não voltasse, era subir para recolher o corpo.
No primeiro dia, o olhar da mãe não viu vulto nenhum. Os dedos contavam as contas, hora a hora. Nem no segundo, nem no terceiro, nem no quarto, nem no décimo quinto dia Rosária chegou.
No décimo quinto dia, pai e mãe arrumaram o caixão de anjinho com forro de pano alvo de saco de farinha e subiram em direção à choça. Quanto a vista avistou o lugar nada foi visto.
O coração doeu à espera da visão do imóvel corpinho bexiguento. No chão, a moringa, a caneca, o charque enrolado no pano.
De trás dos paus e palhas, uma voz suave brotou:
– Papai, mamãe!!
Sem bexigas, sem febre, sem delírios, se fez a cena. A cena se fez, mas esvaneceu-se num instante diante dos olhos da mãe e do pai.
Voltaram para casa com coração e caixão de anjinho vazios. A mãe com o rosário entre os dedos. A vizinhança, nos dias depois, se aquietou, assombrada.
Desde esse dia, quando dá bexiga em alguém no Paraíso, o remédio é chá de quina, uma reza para Nossa Senhora do Rosário, outra para Rosária. Em dois dias tudo se vai. Nunca mais houve apartação.
É incrível ver como a fé das pessoas as movem. História muito triste e bonita. Que bom que nunca mais houve apartação!
Pois é, Emily. Um anjinho nasceu para ajudar todos os outros anjos.
Bela e triste essa versão da história contada por seu Moura. Penso em tantas perdas ocorridas em inúmeras famílias no passado devido às várias doenças sem cura. Doenças extintas, mas, que podem voltar devido a descrença de muitos na ciência e na vacina.
Triste mesmo, Josélia. Escrevi a história tocado por essas dores tão profundas sentidas por nossos antepassados.