O beijo dos dois lagartos

Adriana Pastorello Buim Arena

– Mãe, o que você está fazendo sentada nessa pedra olhando pro nada? Tá com cara tão feliz! – disse Dodô a sua mãe.

– Ah, meu filho! Gosto muito de histórias de amor! Fico suspirando e pensando que daqui a alguns milhares de anos alguém estará sentado aqui neste mesmo lugar vendo o feitiço se desfazer e o príncipe e a princesa se beijarem. As Sete Cidades voltarão a ser um reino encantado, sem a malvada bruxa.

– Que história de bruxa é essa? Agora vai ter que me contar tim-tim por tim-tim. Tá ficando doida, mãe? Ontem mesmo fui ao Parque das Sete Cidades com o Tiziu e só vi pedras. Nunca entendi direito porque chamam aquele amontoado de pedras de cidades! Lá nem tem supermercado, farmácia, igreja, escola, casas de verdade.

– Vou te contar uma linda história. Todo mundo acha que é lenda, mas eu não. Eu acredito de verdade. Tá vendo aquelas luzinhas piscando ali e acolá? Lá já foi um reinado rico e próspero! Hoje as rochas que aí estão atraem os turistas interessados em geologia, mas quando eles vão embora e a noite cai, aparecem essas luzes. Dizem que os encantados voltam à forma de humanos e as cidades voltam a funcionar. Já tive muita vontade de ir até lá e ficar quietinha atrás da pedra da serpente e vigiar o Beijo dos lagartos. Outros já fizeram isso, mas como os encantados pressentem a presença de olhos humanos, não se desencantam de jeito nenhum. Mas eu não acredito nisso. Acredito mesmo é na verdadeira história. Então, desisti dessa minha ideia e fico aqui de casa, desta lonjura, só espiando.

– E qual é a verdadeira história?

– Lá nem sempre foi um amontoado de rochas. Era um reino composto de sete cidades. Em uma delas havia uma moça muito feia, filha de uma bruxa. Ela não era má como a mãe, mas ninguém queria se aproximar dela porque tinham medo da mãe-bruxa. De pirraça com a situação, a mãe, vendo a filha sofrer, preparou um feitiço muito forte para que um príncipe, o jovem mais lindo e rico do reino, se apaixonasse por sua filha. E assim foi, mas a bruxa perdeu muita força ao lançar esse feitiço.

O príncipe vivia andando pra baixo e pra cima com a filha da bruxa. Parecia amor dos mais verdadeiros! Todos desconfiavam de alguma trama arquitetada pela velha, mas ninguém se atrevia a dizer uma palavra. Passaram-se apenas dois anos de namoro feliz e já estavam pensando no casamento. Você sabe onde fica a pedra da serpente?

– Sei sim, eu e o Tiziu já fomos lá.

– Pois é, certa vez, à sombra dessa grande pedra havia um cavalo selado e amarrado. Provavelmente, alguém devia estar descansando de uma longa viagem. Foi isso mesmo que pensou o príncipe em uma de suas rondas pelo reino. Desceu do cavalo e começou a procurar o tal viajante. Que nada! O tal viajante era uma belíssima moça, que repousava sobre a relva em sono profundo. Ele não conseguiu tirar os olhos da jovem e bela moça. Contemplou-a como quem admira uma estrela brilhante em noite de céu aberto, até que ela acordasse.

Ele já estava apaixonado! Os olhos serenos da moça se encontraram com os do príncipe. Sem que se dissessem uma palavra, se beijaram. E o tempo parou. Nada de vento. Nada de canto dos pássaros. Nada de passos na terra. O mundo enorme parou. Sem dizer adeus, ela montou no cavalo e partiu. O príncipe ficou maravilhado! Já não pensava mais na filha da bruxa, com quem iria se casar em breve. Não a procurava mais, não a beijava mais.

Todos os dias na mesma hora da ronda, ele seguia em direção à pedra da serpente, e lá estava a princesa, mais bela ainda que no dia anterior. E sem pronunciar qualquer palavra se beijavam e, em seguida, a princesa desaparecia em seu cavalo.

A pobre moça feia, filha da bruxa, queixou-se com a mãe. Falou da indiferença do príncipe. Ele já não dava a ela toda a atenção de antes. A bruxa, em sua sabedoria de 876 anos de idade, resolveu vigiar o príncipe, pois dele desconfiava. Usou do feitiço que sabia fazer para tornar-se invisível e o seguiu durante a manhã toda. Nada de suspeito encontrou. Continuou seguindo-o. À tarde, como de costume, o príncipe foi até a pedra da serpente. Lá estava a princesa, mais bela que todas as outras aparições. Beijou-a longamente.

A bruxa sentiu o fogo queimar suas entranhas! Voou para casa em busca de um feitiço perfeito e pensou: “Se ele não quer minha filha, não haverá de ter mais ninguém!”

Pegou o livro de bruxarias que há dois anos não usava, porque o último feitiço que fizera, para que o príncipe se apaixonasse pela filha, consumiu muito de sua vida de bruxa, que também tinha prazo de validade. Analisou, estudou, revirou o livro e não tinha jeito! O único feitiço que poderia lançar era o de transformar o príncipe e a princesa em dois lagartos, quando fossem se beijar. Isso era bom, mas o custo era alto. Ao concretizar o feitiço, o corpo da bruxa viraria cinzas e ela deixaria de viver para a eternidade. A maldade era tanta que a bruxa decidiu morrer, mas também acabar com a felicidade dos dois enamorados.

Tornou-se invisível, seguiu o príncipe, que, ingenuamente e feliz, a conduziu até sua amada. Naquele dia estava radiante como se tivesse engolido o sol. Pela primeira vez ela falou com o príncipe: “Meu amor, hoje te levarei para o meu reino e lá serás o meu rei.”

Ele ficou hipnotizado pela beleza de seu rosto, encantado por suas palavras. Segurou-a docilmente pelas mãos, e seus lábios foram ao encontro daqueles aveludados e rosados de sua amada.

Nesse instante, estrondos fortes e imensas rachaduras se levantaram da terra, e tudo que tinha vida virou pedra. Os dois apaixonados se transformaram em lagartos segundos antes de se beijarem! As luzes das Setes Cidades de todo o reino se apagaram. A bruxa se foi eternamente.

Depois desse feitiço, apenas o encontro dos lábios apaixonados poderá fazer ressurgir a vida de Sete Cidades e florescer o amor entre os dois enamorados.

– Mãe, por que ainda não juntaram as bocas dos lagartos!? É só arrumar uma escavadeira! Com ela fica fácil deslocar as rochas. E então os lagartos se beijam!!

– Não, meu filho! Feitiço não se acaba assim fácil. Será preciso que a terra-mãe queira aproximar os dois novamente. Quem sabe, em milhões de anos, a terra voltará a se movimentar, as rochas se dilatarão e, então, o beijo acontecerá pelo curso natural da vida.

É por isso que todos esperam por esse dia, sentados, sem pressa, olhando as luzes que emanam desses dois jovens amantes.

Adriana Pastorello Buim Arena
História criada a partir de um relato oral de Janaína,
guia do Parque Nacional da Sete Cidades do Piauí