Um dia eu vestia uma camiseta estampada [que você pode ver na foto que a mostra em um detalhe] com gaiolas e pássaros fora delas.

Minha mãe, de 98 anos, que já se expressa com dificuldade, me disse:
‑ Eu conheço essa história (referindo-se aos pássaros fora das gaiolas).
Respondi:
‑ É esta história? E cantarolei um pedacinho de uma música lá de minha longínqua infância: “Sabiá lá na gaiola, fez um buraquinho, voou, voou, voou, voou…” E ela me respondeu: “É.”
Então resolvi relembrar a canção e inventar uma história com base nela.

A canção aqui reproduzida, intitulada “Sabiá na gaiola”, é um baião da autoria de Hervê Cordovil e Mário Vieira, interpretado por Carmélia Alves acompanhada pelo Conjunto Continental em disco Continental 16226 A (matriz 2356). Esse disco foi lançado em julho/agosto de 1950. (https://www.youtube.com/watch?v=5HXvWqf6y0s)

Carmélia Alves Curvello nasceu no Rio de Janeiro no dia 14 de fevereiro de 1923 e faleceu nessa mesma cidade no dia 03 de novembro de 2012, os 89 anos. Foi nomeada por Luís Gonzaga – o “Rei do Baião” – como a “Rainha do Baião”: fez sucesso na década de 1950 com Sabiá na gaiola e vendeu tantas cópias de seu disco que obrigou a gravadora Continental de Buenos Aires a abrir outra filial para dar conta da procura que se fazia por ele. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Carm%C3%A9lia_Alves)

Sílvia e o sabiá

Stela Miller

Sabe uma menina que adora animais? Assim era Sílvia. Criava uma porção de animaizinhos de estimação: cachorro, gato, tartaruga, coelho, galo e galinha garnisé e um sabiá, que cantava lindamente. Um sabiá de peito alaranjado que vivia em uma gaiola. Sim, preso em uma gaiola. A menina ainda não sabia que as asas do sabiá eram feitas de liberdade!

Mas o sabiá sabia muito bem disso! E não lhe agradava nada, nada, ter de ficar preso naquela casa de pauzinhos e arame. Por isso, arquitetou um plano: todos os dias, iria bicar a haste de madeira que segurava a portinhola daquela triste prisão. Haveria de quebrá-la um dia, pensava o sabiá, e ganharia sua liberdade.

Vários meses se passaram, até que, em uma manhã ensolarada de primavera, conseguiu romper a cadeia que o prendia: forçou seu pequeno corpo pela estreita passagem que abrira e, enfim, voou livre para o espaço que se descortinava imenso para ele!

E voou, voou livre, sentindo o frescor da manhã, o calorzinho gostoso do sol, o perfume das flores e vendo de perto a beleza dos frutos que começavam a se desenvolver nas árvores do quintal da casa em que Sílvia morava. Que sensação maravilhosa era ter tudo aquilo para desfrutar!

Mas não tardou a ouvir os gritos de Sílvia que vinham lá do quintal de sua casa: “Meu sabiá! Meu sabiá fugiu! Onde estará meu sabiá?” E, logo em seguida, o pranto da menina ecoou em todas as direções. Impossível não escutar.

Do abacateiro onde se alojara, o sabiá podia não apenas ouvir o choro de Sílvia, mas também vê-la correndo de um lado para o outro, implorando:

‑ Sabiá, onde está você? Volte, sabiá, volte! Estou esperando por você. Não me deixe!

O sabiá, com pena da menina, respondeu de lá do alto do abacateiro:

‑ Não chore, Sílvia, eu voltarei todos os dias para cantar para você. Só não me peça para voltar para a gaiola!

E assim foi. Todas as manhãs, o sabiá ia até o beiral da janela do quarto da menina e exibia seu canto maravilhoso que ela tanto apreciava, mas ainda com mais exuberância e alegria, porque agora era livre!

[História criada a partir da música “Sabiá na gaiola”.]