Como foi a escrita da história

Elianeth Dias K. Hernandes

Fazer parte do NAHum – Núcleo de Alfabetização Humanizadora representa um exercício contínuo de revisão e atualização de concepções e procedimentos. Quando gravei para Heloísa, minha neta de seis anos de idade, a história de como nossa família se constituiu, eu tinha dois objetivos: que ela conhecesse a sua história e, ao mesmo tempo, tivéssemos um momento de interação entre avó e neta, momento esse mediado pelo ato de registro da história de vida que nos une. Mas essa experiência se tornou algo muito maior e mais significativo.

Começo por informar que eu já sabia que a Heloísa sabia ler, uma vez que ela sempre lia livros de histórias, inclusive proferindo-os para os adultos e para seu irmãozinho mais novo, em muitas situações de convívio familiar, mas eu ainda não tinha conhecimento sobre sua produção escrita, porque os exercícios escolares de escrita que normalmente são propostos para a Heloísa envolvem sempre a identificação de letras e de sílabas e a formação de palavras em listas aleatórias.

Ao receber um áudio, produzido por mim, com a história do seu tataravô, a Heloísa pediu para que fosse comprado um caderno para que pudesse começar a registrar a história da família. A sua intenção, compartilhada conosco, era que pretendia ler essa história para as priminhas, quando se encontrassem. Assim, a primeira versão escrita foi registrada no caderno, com essa finalidade.

Quando chegou a oportunidade de ler o texto em voz alta para as primas, a Heloísa percebeu, durante a partilha, que algumas informações contadas por mim não estavam devidamente registradas na sua escrita. Pediu, então, para reescrever a história, a fim de colocar os dados que estavam faltando. Sugeri que escrevesse o texto no computador e expliquei que, nesse dispositivo, podemos alterar e acrescentar escritas sem ter que escrever tudo novamente. A Heloísa gostou muito da ideia de usar o computador e registrou ali o seu texto para que pudesse fazer os acréscimos e as alterações que julgava serem necessários.

Nesse momento, foi possível indagar sobre a razão de seu texto apresentar, quando escrito na tela do computador, algumas palavras destacadas com um traço vermelho (Ex: GUÉRRA). Ela respondeu que isso devia ocorrer em razão de ter alguma coisa escrita de forma incorreta. Pedi que ela procurasse resolver isso, e, a partir daí, ela foi colocando ou retirando os acentos, trocando “s” ou “ç” e batia palmas de felicidade quando o risco vermelho desaparecia, porque havia achado a grafia correta. A escrita da palavra “próxima” criou vários problemas. Tentou de algumas maneiras, mas depois pediu ajuda para a avó para registrar a grafia correta.

Além dos conhecimentos advindos, tanto da revisão das questões ortográficas no próprio texto como do fato de poder alterar a ordem das palavras e das frases para que a redação fluísse melhor, o uso do aplicativo Word possibilitou que a Heloísa vivenciasse a escrita com a utilização dos caracteres em dupla caixa. No caderno, ela havia escrito como aprendeu na escola, usando só a caixa alta, mas ao escrever a história da sua família, usando o teclado do computador, pôde fazê-lo como acontece nos usos sociais da escrita. O uso dos dispositivos digitais aproxima esse instrumento cultural de sua natureza gráfica, semiótica e visual, porque os caracteres são as unidades de composição de palavras e enunciados em seu uso real.

Finda essa experiência, concluo que aprendemos muito – Heloísa e eu. A escrita cumpriu o seu papel de registrar a nossa história e de impactar nossas vidas. Avó e neta foram, também, nesses momentos vividos, aprendizes da história, das experiências, dos saberes e das dúvidas compartilhados.

Áudio da história contada pela avó

A viagem… fim e recomeço!

História escrita por Heloísa Kanthack Hernandes Pinheiro (6 anos)

A minha avó me contou que meu tataravô nasceu na Alemanha, em uma cidade chamada Payritz, em uma região muito bonita, a Pomerânia. Ele se chamava Albert Kanthack e nasceu no ano de 1895, pouco depois da guerra da Prússia.

Na Alemanha, naquela época, estava muito difícil de viver. Havia anúncios de uma nova guerra.

O pai dele se chamava Emilio. Ele fabricava carroças para vender para ganhar dinheiro e cuidar da sua família. Em uma viagem, em que estava vendendo essas carroças, ele desapareceu. Acreditam que ele foi morto por assaltantes e nunca mais voltou.

Nessa época, na Alemanha, as batatas não eram suficientes para alimentar toda a região, havia muita fome.  Então a mãe de Albert resolveu que ele deveria ir embora da Alemanha para ter uma vida melhor.

Então, com apenas 16 anos de idade, ele veio de navio para o Brasil, sem saber falar português e com pouco dinheiro.

A despedida da família foi muito triste porque as lágrimas de sua mãe, ao caírem no seu casaco, viraram gelo porque estava muito frio. Ela chorava porque sabia que nunca mais iria ver o filho.

Foi uma viagem difícil até chegar ao Brasil, mas a próxima parte dessa história eu vou contar para vocês outro dia.